quinta-feira, 3 de julho de 2008

Gina em: O terrorista lírico

— Porra! Um dia vou jogar uma bomba nessa cidade de merda e que se fodam todos eles!!!

Dizia isso de modo sério,entre um copo de cerveja e outro, com o olhar fixo em algum ponto entre o azeite de oliva e palito de dentes na mesa do bar. Os amigos riam com imenso deleite de sua seriedade e da maneira obstinada que fantasiava a resolução de seus problemas de forma tão simples e eficaz. Era sempre o ponto alto das risadas quando aquele sujeito sério, escondido atrás dos óculos, se irritava contando seus problemas e soltava baldes de palavrões e suas soluções estranhas.

O sujeito continuava bebendo sua cerveja e contava a sua saga homérica contra os obstáculos e como não se conformava que dependesse de tantas pessoas para seguir seus objetivos, pessoas que se mostravam egoístas e incompetentes, que descontavam nele suas frustrações, tornando-se obstáculos intransponíveis e criavam ciclos viciosos de insucessos.

Suas histórias não eram as únicas nos bares em que freqüentava nas noites de sexta feira em Curitiba, os amigos constantemente se identificavam com suas histórias e contavam assim como ele, problemas similares, contudo, ele acumulava a cada um, uma sensação estranha, como se tivesse algo preso entre o esôfago e a boca, que descia e voltava arranhando-lhe as entranhas.

Depois de um certo tempo, tornou-se arredio e arisco e não engolia tão facilmente as injustiças que sofria, agia sem decoro, discutia e constantemente se envolvia em brigas por razões que algumas pessoas consideravam pouca coisa, distanciou-se dos amigos, das pessoas, iniciou processos de depressão e pânico. Não tinha paz, tornou-se tão distante que já não era deste mundo e por muitos anos não sentia mais aquela sensação de vitória ao atingir metas e objetivos. Como se lhe roubassem todos os dias algo que era seu. E somente seu.

As frases que diziam quando ébrio voltavam a sua mente como uma simples solução, a única. Destruir tudo tornou sua prioridade, traçou planos, fabricou bombas e artefatos que o ajudariam na sua missão e começou aquilo que sempre parecia ser seu caminho, embora a ética e razão as vezes o confundissem para aceitar o destino que sempre fora seu.

Começou provocando pequenos incêndios nas casas das pessoas que se tornaram obstáculos em sua vida, enquanto o dono da casa saia, invadia e provocava um curto circuito em aparelhos domésticos que geravam grandes perdas materiais. Refinou seu métodos e incendiou várias casas sem levantar qualquer suspeita.

Após traçar um plano intenso e bem engendrado, começou delitos mais graves, preparou uma bomba caseira e deixou na lixeira do tribunal do júri em Curitiba, tribunal que injustamente o acusou de homicídio há alguns anos, deixou a bomba durante um outro julgamento para dispersar suspeitas. Sua bomba foi desativada, mas seus métodos se refinavam com o avançar dos ponteiros do relógio.

Jogou um coquetel molotov na caldeira da firma onde trabalhava, a Elma Chips, provocando um intenso incêndio no local onde não era valorizado e reconhecido e também foi o autor do curto circuito que destruiu parcialmente o prédio da Universidade Tuiti do Paraná onde fora tão fustigado por colegas desleiais e professores incapazes.

Provocou um incêndio no depósito da Minásgas no bairro mercês, aquele depósito era de um fornecedor que atrasou uma entrega de gás alegando que o pedido não havia sido feito, provocou um problema tão grande onde trabalhava que quase foi demitido da Elma Chips.O incêndio que planejou fez os botijões explodirem e voarem pelo alto como fogos de artificio. E o sujeito dava risadas maníacas e estéricas ao ver as notícias do seu delito na televisão.

E assim executava seu plano que determinava vários outros delitos, realizados das formas mais variadas possíveis. Não dormia, não comia e trabalhava 24 horas por dia arquitetando seus planos e engendrando sua realização, por acaso do destino, acabou dormindo e sonhando com finalização de todas suas metas.

No sonho, suas bombas explodiram sucessivamente ao dobrar dos sinos da catedral basílica de Curitiba. Os pontos destruidos eram vários, todas as instituições da cidade, prefeitura, detran, cartórios, destruiu todos os ônibus da cidade e as praças públicas, destruiu tudo que algum dia houvesse contituido um obstáculo. Destruiu escritórios de advocacia, fornecedores, firmas, pessoas acima ou abaixo de sua hierarquia no trabalho, destruiu escolas, faculdades, destruiu tudo.

Ouvia os sinos dobrar ritmados pelas explosões sentado na escadaria da catedral. E sorria, um riso leve e fugaz, uma expressão sublime do artista ao ver sua obra, uma expressão de criador ao ver sua criatura. Um sentimento inexplicável invandiu sua alma e não sentia nem sombra daquela coisa que sentia nas entranhas. Caminhou da Tiradentes até a Praça do Homem Nu, sentindo o cheiro de pólvora, ouvindo gritos de desespero, vendo a ruína daquela cidade em que tanto sofrera, sentindo acima de tudo o cheiro de esgoto e podridão que era consumido a cada golfada do aroma de pólvora de suas destruições.

Acordou do sonho sentindo aquilo para que fora feito, sabia que ninguém mais seria um obstáculo, não sentia mais o peso das frustações. Sentia, enfim o único sentimento que desejava em toda sua vida curitibana: A sensação sublime de dever cumprido, sem ressalvas e poréns, então abriu a porta e caminhou lentamente para executar seu plano com perfeiçaõ, como um dèja vu.

Atos do terrorista lírico de Curitiba
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121868.shtml - Bomba no tribunal de Júri
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/12/31/327830217.asp - Incêndio na fábrica da Elma Chips
http://www.panorama.com.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=7790 - Incêndio na Minásgas.
http://oglobo.globo.com/participe/mat/2008/02/06/internauta_registra_incendio_em_universidade_de_curitiba-425489758.asp - Incêndio na Tuiti

Um comentário:

Ivan Grycuk disse...

É Dona Gina... já tive planos diabólicos assim, mas sempre tive medo de fogo e bombas então resolvi desistir deles. Sabe como é, né... época punk e tal. Gostei da sensação de deja vu!

Beijo.

PS. tem uma Praça do Homem Nu em Curitiba?